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A ACEDIA E A VIDA MONÁSTICA

novembro 03, 2019



A ACEDIA E A VIDA MONÁSTICA


O Senhor disse na casa em Betânia:
“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10,41-42).
No final do século IV, um jovem chamado André, de um país distante, chegou ao deserto egípcio afim de poder satisfazer seu grande desejo: ser um Monge Anacoreta. Desde que leu a obra "Vida de Antônio" - escrito por Santo Atanásio, patriarca de Alexandria - ele não tinha mais nada em mente a não ser deixar tudo para se juntar a Deus inteiramente na solidão do deserto.
Seu Bispo recomendou que ele se juntasse à colônia de Anacoretas que estava sob a orientação espiritual do abade Milesio. E assim fez André: depois de se desprender de tudo (trabalho, família, posses, amigos, casa...), empreendeu uma longa e arriscada jornada pelo deserto egípcio. Quando chegou à colônia, procurou a cela onde o monge morava, ajoelhou-se diante dele e pediu para que ele o aceitasse como seu discípulo.
O abade ouviu atentamente tudo o que o jovem tinha para lhe dizer, e ele decidiu aceitá-lo. Então ele o levou para uma cabana onde outro monge havia morado - falecido recentemente - e lhe disse que esse seria seu lar até a morte, exceto que a Divina Providência decidisse de outra forma.
Andre se integrou à colônia de monges com entusiasmo e aceitou com grande interesse e esforço tudo o que seu pai espiritual indicava. Sua vida consistia basicamente em permanecer em sua cela orando e fabricando cestos quase a semana toda. Desde o sábado à tarde até o domingo ao meio-dia, André se reunia com o restante dos Anacoretas em uma grande cela central, onde todos escutavam as conferências espirituais do abade Milesio, oraram juntos, celebraram a Eucaristia e compartilhavam uma refeição alegre e austera. E assim sempre foi feito, com quase nenhuma variação, semana após semana, para que os monges pudessem se dedicar completamente a Deus.
Mas, depois de alguns meses, André achou cada vez mais difícil permanecer na sua cela. Era especialmente difícil sob o calor sufocante do meio-dia, quando eles já tinham passado muitas horas desde que ele havia levantado e ainda tinha um bom tempo antes de se deitar novamente. Então, por dentro, ele sentia um tédio atroz, o que o fez experimentar uma tristeza profunda. Nesse momentos vinham a sua mente uma multidão de coisas "úteis" que ele poderia estar fazendo em vez de orar ou fabricar cestos.
O abade Milesio já o havia advertido contra essa tentação chamada "acedia". E ele também havia dito a ela que até que não a derrotasse e se sentisse à vontade na rotina monótona da vida monástica, não seria um monge maduro.
Mas André não aguentou mais e decidiu dirigir-se todos os dias a uma travessia inóspita de caminhos que ficavam a vários quilômetros da colônia de celas, para ajudar os viajantes que por ali passavam, especialmente quando se tratava de prisioneiros que foram transferidos em condições deploráveis para trabalhar nas minas do imperador. Curiosamente, o abade Milesio deu-lhe liberdade e deixou-o fazer esse serviço, exceto aos sábados e domingos.
André pensava que isso dava mais sentido à sua vida e, além disso, ele não se entediava "perdendo tempo" na sua cela. Mas, depois de um tempo, ele começou a refletir sobre que sentido havia estar fazendo isso a centenas de quilômetros de sua aldeia, quando nele também havia pessoas nele que necessitava de sua ajuda. Então ele se despediu da sua colônia, retornou à sua aldeia e começou a cuidar de idosos doentes e sem-teto.
No entanto, ele logo começou a pensar: "Por que vou perder meu tempo ajudando essas pessoas, quando eu tenho toda uma vida pela frente?" Então ele fez o possível para recuperar tudo o que havia deixado antes de ir para o deserto e assim voltou à sua vida anterior. Mas depois de alguns meses, ele começou a sentir em seu íntimo que esta vida que ele havia recuperado não tinha nenhum sentido, e voltou a desejar ardentemente poder unir-se a Deus naquela solitária cela no deserto, apesar do tédio e do calor. Então ele deixou tudo de novo, voltou para a colônia de Anacoretas e se apresentou diante do abade Milesio. E ele lhe disse:
-André, faz aproximadamente dois anos, que você deixou tudo e se apresentou diante de mim dizendo-me que você queria superar tudo o que te afastava de Deus para que você pudesse se unir a Ele. Essa é a essência da vida monástica, então eu aceitei você na colônia de monges. Eu te adverti que em breve você receberia ataques do "demônio" da acedia. Apesar disso você sucumbiu diante dele e deixou sua cela. Agora você volta, mas a acedia continua vivendo dentro de você. O que pensas em fazer?
-André respondeu:
-O que você quiser, mestre.
-Ele então respondeu:
-A acedia é uma tentação muito forte que poucos conseguem vencer, pois necessitam de uma graça especial para fazê-lo. Mas Deus concede para aqueles que chama para a vida monástica. Agora eu peço que você pense: você ainda quer se unir completamente a Deus?
-Sem hesitar um segundo, André respondeu afirmativamente.
-Bem, continuou dizendo o abade, você deve se esforçar para tomar consciência destas verdades: Deus é eterno. Por Ele não passa o tempo. E pelo seu Reino de amor tampouco. Quando você morrer e ressuscitar para a outra vida, você será imerso em um eterno e pleno amor que não tem fim. Pois bem, a vida monástica é uma antecipação - imperfeita - dessa experiência de eternidade. Agora eu te digo: quando você estiver em sua cela, trate de mergulhar interiormente no Reino do amor eterno. Faça um esforço para aceitar em seu interior o ritmo do devir suave imposto por Deus a toda a sua criação. Não tente forçar nada nem impor sua vontade. Você apenas tem que se deixar levar por Deus, que habita em você. E assim, pouco a pouco, Deus fará você sentir que sua vida tem pleno sentido. E você passará a ter gosto pela sua vida, que então será você quem não irá querer sair da cela, porque ela será seu "Paraíso". Meu querido André: grandes e maravilhosas são as obras que Deus faz por meio da alma contemplativa dos monges, porque a oração tudo pode (cf. Mt 21,22).
André voltou para sua cela e orou com todo seu coração que Deus o ajudasse a introduzir-se interiormente, no pausado ritmo do amor eterno.
Ele sofreu enormes tentações, mas Deus o ajudou a vencê-las. Com o tempo, tornou-se um grande pai espiritual e tornou-se plenamente consciente do significado da vida monástica e das maravilhas inefáveis que a oração faz. Ele ajudou muitos a se unirem a Deus e viveu em uma paz profunda.
Enfim, lembre-se sempre do que o Senhor disse na casa em Betânia​:​
"Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada"(Lc 10, 41-42).
POR FABIO JOSÉ DA SILVA

NOVEMBRO DE 2019.

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authorOlá, meu nome é Fabio José da Silva. Sou Blogueiro, Católico formado em filosofia e teologia. Meus assuntos de interesse neste blog são: Espiritualidade, Vida Monástica, Hesicasmo, Filosofia, Teologia e Catequese. PAX!!!
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