CONFERÊNCIA SOBRE A FILOCALIA # 1 - O AMOR A BELEZA
setembro 01, 2019A FILOCALIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
INTRODUÇÃO
Neste pequeno estudo sobre a Filocalia, pretendemos oferecer a você prezado leitor uma aproximação interessante aos escritos cristãos orientais, oferecida não somente para quem tenha uma afinidade com a tradição da Igreja Ortodoxa, mas para todos os interessados no estudo de textos religiosos.
No ano de 1782 apareceu em Veneza, Itália, uma obra chamada Filocalia, que reunia os textos dos Padres Orientais que se referem a vida hesicasta ou monacal, e a “Oração de Jesus”, chamada também a “oração do coração”.
Esta é a primeira parte deste estudo. Posteriormente publicaremos a segunda parte que terá enfoque na “oração do coração” e, por último, a terceira parte: a obra completa dos “Relatos de um peregrino russo”, onde buscaremos efetuar um breve comentário da mesma.
Logo após a apresentação da Filocalia e suas origens, abordaremos três capítulos separadamente. No primeiro deles, estudaremos o Hesicasmo, esta doutrina igualmente cristã oriental de bases claramente ascéticas. Num segundo momento apresentaremos dois dos textos cristãos mais renomados da Filocalia, e que já mencionamos: Relatos de um peregrino russo e a Oração de Jesus.
1. Filocalia. Apresentação da obra
A Filocalia é considerada como “o legado espiritual da Igreja do Oriente, [...] semelhante a uma tocha de fogo passada de mão em mão até chegar a nós” (cf. RIBAS, 1995: p.15 - tradução livre). No ano 1782 apareceu em Veneza, Itália, uma obra chamada Filocalia, que reunia os textos dos Padres Orientais que se referem a vida hesicasta ou monacal, e a oração de Jesus, também chamada de oração do coração que segundo Jean Gouillard “era um grande in-folio de 16-1207 páginas com duas colunas. Havia textos de mais de 30 autores, desde os Padres do Deserto até autores bizantinos do śeculo XIV” (2013: p. 5).
Entretanto, muitos podem se questionar dizendo em que este livro que provém de uma outra tradição, a saber a oriental, pode ser de proveito para nós ocidentais, haja visto que “outros são os nomes de nossos santos, outro o contexto e o vocabulário de nossa experiência de Deus”? (cf. RIBAS, 1995: p. 16).
Para responder a esta questão é importante lembrar que
como cristãos que somos participamos na mesma carreira, “correndo atrás de Cristo, lançando-se adiante, buscando alcançá-lo, porque nós mesmos fomos alcançados por Ele” (Flp 3,12). [...] Não se trata de renunciar a própria Tradição, e sim enriquecer-se com uma tradição irmã que foi mantida em silêncio até os último anos nas margens orientais do Mediterrâneo (RIBAS, 1995: p. 15-16).
Um segundo questionamento que vem a mente é onde e quando surgiu e que quem é o seu autor? A Filocalia, é uma grande antologia de escritos ortodoxos sobre a oração, e é considerada
um precioso legado em que, 2500 páginas recolhem mais de mil anos da experiência espiritual dos monges da Igreja do Oriente. [...] composta durante o século XVIII por São Macário, bispo de Corinto (1731-1805), e por Nicodemos o Hagiorita (1749-1809), um monge do Monte Atos (1), os quais, em um momento cheio de incertezas e confusões, quiseram dar a conhecer as fontes e recordar a herança de sua própria Tradição. E para isso reuniram escritos de mais de trinta santos monges (RIBAS, 1995: p. 14 - tradução livre).
Contudo no ocidente tornou-se conhecida e divulgada a partir de 1917 por meio de uma outra obra cujo autor é anônimo que é chamada de “Relatos de um peregrino russo (ou o caminho do peregrino)”, que tem sido desde então uma das mestras do renascimento da espiritualidade filocalica.
Um dos grandes precursores na tradução da Filocalia para a a língua eslava(2), foi o starets(3) chamado Paissy Velichkovsky (1722-1794), que
saiu ainda jovem de sua casa, na Ucrânia, e partiu em busca de uma espiritualidade verdadeira, que não encontrara nos mosteiros de sua época. Foi ao Monte Atos, onde passou vários anos (1746-1763) e traduziu para o russo diversos textos em grego sobre a oração. Partiu para voltar a Rússia, mas só conseguiu chegar até as montanhas da Valáquia (na atual Romênia), onde se estabeleceu e passou o resto da vida como abade e diretor espiritual de diversos mosteiros, tanto de homens como de mulheres. Embora nunca tenha chegado de volta à Rússia, suas traduções, associadas à sua influência em geral, contribuíram para o renascimento monástico do século XIX (POKROVSKY, 2010: p. 42).
Em 1793 ele se empenhou na tradução de textos referentes a oração de Jesus ou oração do coração e em 1794, juntamente um ano após finalizar a mencionada tradução ele veio a falecer.
Desde então esta coleção de textos tem sido reeditada no grego atualmente foi traduzida para várias línguas ocidentais(4). Entretanto, cabe destacar que existem atualmente dois tipos de Filocalia,
a pequena que é intitulada A Filocalia da Oração de Jesus. Trata-se somente de uma pequena seleção de textos da Grande Filocalia, escolhidos a partir de um interesse preciso: a técnica da oração do coração. Já a Grande Filocalia é muito mais extensa e trata de muito mais aspectos da vida espiritual (RIBAS, 1995:p. 14 - tradução livre).
O título desta obra também é muito importante pois trata-se de uma palavra que possui vários significados.
Traduzida literalmente, significa “amor a beleza” (filó-kalos), ou seja, é o amor a Jesus, “essa Beleza divino-humana, divino-cósmica, da que tem sede os homens de hoje”. Porém filocalia também pode significar, simplesmente, “antologia”. Porque, que é uma antologia senão uma seleção de textos mais belos? É neste segundo sentido que a Igreja Ortodoxa tem utilizado com frequência o termo filocalia, para designar diferentes compilações de textos (RIBAS, 1995: p. 14-15 - tradução livre).
Entretanto, para se obter uma compreensão desta obra é importante ressaltar que
os textos das Filocalia foram escritos por pessoas e para pessoas que participavam ativamente não só da estrutura sacramental e litúrgica da Igreja Ortodoxa, mas também da tradição monástica ortodoxa. Por isso, pressupõe condições de vida radicalmente diferentes [daquelas em que vão encontrar a maioria dos leitores de nossos dias] (POKROVSKY, 2010: p. 64).
Acaso isso significa que os conselhos contidos nos textos só podem ser postos em prática dentro de um ambiente monástico? Pokrovsky citando o Arquimandrita Kallistos Ware comenta a este respeito que
muitos autores hesicastas dizem que não, e o próprio São Nicodemos, na introdução à Filocalia original, esforça-se por todos os meios para deixar claro que a ‘oração perpétua’ (ou seja, contínua), pode ou, antes, deve ser praticada por todos. Como seria de se esperar, a vida monástica proporciona certas condições - como o silêncio, a solidão e a regularidade - indispensáveis para a concretização daquela concentração sem a qual a alma é incapaz de avançar muito no caminho espiritual. Mas, uma vez atendida a condição básica da participação ativa na vida sacramental e litúrgica da Igreja, esse caminho encontra-se aberto para todos, cada qual segundo a plenitude da sua capacidade, quaisquer que sejam as circunstâncias de sua vida. Com efeito, sob este aspecto, a distinção entre vida monástica e ‘a vida no mundo’ é totalmente relativa: todo ser humano, pelo fato mesmo de ter sido criado a imagem de Deus, é chamado a ser perfeito, é chamado a amar a Deus de todo o coração, de toda a sua alma, de todo o seu espírito. Neste sentido todos tem a mesma vocação e todos devem seguir o mesmo caminho espiritual (POKROVSKY, 2010: p. 64).
Sendo então a Filocalia uma obra dirigida a todos aqueles que desejam trilhar um caminho de perfeição buscando agradar a Deus acima de tudo, não obstante é importante detalharmos uma breve explicação de alguns conceitos da mencionada obra nos próximos capítulos, com a finalidade de obtermos uma maior e melhor compreensão da mesma, assim como de alguns termos relativos ao vocabulário ortodoxo russo.
A importância da Filocalia nos mosteiros ortodoxos, sobretudo nos russos (eslavos), tem sido capital. Com a Bíblia, os livros litúrgicos e as vidas dos santos, constituiu durante muitos anos a base das leituras espirituais e, por conseguinte, da cultura teológica e espiritual dos monges, que eram e são a força da ortodoxia.
Estes relatos não são somente memorias de um tempo passado, de terras longínquas e costumes exóticos. São, sobretudo, um testemunho espiritual que pede uma resposta por parte de leitor.
Sua leitura nos ajudará no caminho da vida cristã. Por distintas paisagens e com diferentes aventuras, porém caminhando sempre para o encontro com Cristo, a quem conhecemos como próximo dos humildes, dos simples, e aos que buscam um coração puro.
NOTAS:
(1) Também chamado de “Montanha Santa”, é um lugar mencionado com frequência no livro “Relatos de um peregrino russo” e, de maneira geral em todos os textos que tratam da espiritualidade ortodoxa. É uma península montanhosa situada no nordeste da Grécia, considerada às vezes uma espécie de pátria do monasticismo ortodoxo. Depois do século X, a península tem sido habitada somente por monges (e permanece até hoje totalmente vedada as mulheres) que vivem em diversas condições, desde grandes mosteiros até minúsculas ermidas. Existem hoje vinte mosteiros no Monte Atos, bem como um grande número de instituições menores, chamadas “sketes”, e eremitas que moram em cavernas e pequenas cabanas. A maioria das comunidades são de língua grega, mas existem também comunidades de russos, romenos búlgaros e sérvios. O Monte Atos gerou um grande numero de vultos influentes de espiritualidade ortodoxa (POKROVSKY, 2010: p. 74).
(2) Que foi chamada de Dobrotolijubié (São Petesburgo, 1793; oito reedições).
(3) O termo é a tradução russa do grego geron, “velho”. Refere-se a um ancião que geralmente eram monges ortodoxos que não necessariamente eram sacerdotes, contudo possuíam uma grande experiência na oração, e eram aptos para serem um guia espiritual daqueles que buscam na oração uma comunhão com Deus. “Essa antiga tradição de maestria espiritual estava passou [...] por um forte processo de revivificação. No decorrer de todo o século XIX e até a Revolução Russa, a presença de stártsi (plural de stárets) carismáticos e influentes foi uma característica decisiva da vida na Rússia, e a influência desses “anciãos” muitas vezes se fazia sentir fora dos mosteiros” (POKROVSKY, 2010: p. 26).
(4) A tradução para o português do texto completo está sendo disponibilizada em formato pdf pelo site http://oracaodejesus.com.
NOTAS:
(1) Também chamado de “Montanha Santa”, é um lugar mencionado com frequência no livro “Relatos de um peregrino russo” e, de maneira geral em todos os textos que tratam da espiritualidade ortodoxa. É uma península montanhosa situada no nordeste da Grécia, considerada às vezes uma espécie de pátria do monasticismo ortodoxo. Depois do século X, a península tem sido habitada somente por monges (e permanece até hoje totalmente vedada as mulheres) que vivem em diversas condições, desde grandes mosteiros até minúsculas ermidas. Existem hoje vinte mosteiros no Monte Atos, bem como um grande número de instituições menores, chamadas “sketes”, e eremitas que moram em cavernas e pequenas cabanas. A maioria das comunidades são de língua grega, mas existem também comunidades de russos, romenos búlgaros e sérvios. O Monte Atos gerou um grande numero de vultos influentes de espiritualidade ortodoxa (POKROVSKY, 2010: p. 74).
(2) Que foi chamada de Dobrotolijubié (São Petesburgo, 1793; oito reedições).
(3) O termo é a tradução russa do grego geron, “velho”. Refere-se a um ancião que geralmente eram monges ortodoxos que não necessariamente eram sacerdotes, contudo possuíam uma grande experiência na oração, e eram aptos para serem um guia espiritual daqueles que buscam na oração uma comunhão com Deus. “Essa antiga tradição de maestria espiritual estava passou [...] por um forte processo de revivificação. No decorrer de todo o século XIX e até a Revolução Russa, a presença de stártsi (plural de stárets) carismáticos e influentes foi uma característica decisiva da vida na Rússia, e a influência desses “anciãos” muitas vezes se fazia sentir fora dos mosteiros” (POKROVSKY, 2010: p. 26).
(4) A tradução para o português do texto completo está sendo disponibilizada em formato pdf pelo site http://oracaodejesus.com.
REFERÊNCIAS:
RIBAS, Javier Melloni. Los caminos del corazón: el conocimento espíritual en la “Filocalia”. - Bilbao: Editorial Sal Terrae, 1995.
POKROVSKY, Gleb. O caminho de um peregrino: comentado e interpretado. - São Paulo: Editora Pensamento, 2010.
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