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ASCESE HESICASTA: I. DEFINIÇÃO DE HESICASMO

novembro 13, 2020


 

ASCESE HESICASTA

Por Fabio José da Silva


Definição de hesicasmo

O termo Hesicasmo foi derivado de esychia = quietude, calma, paz, silêncio - é um método de realização espiritual usado principalmente por monges na igreja cristã oriental. A fadiga do coração é o esforço de quem percorre o caminho hesicasta. 

Esta parte da vida é usada para definir a práxis ou technè, na qual pensamentos apaixonados são erradicados = logismoi, e um estado de devota impassividade = apàtheia deve ser alcançado, prelúdio para a catástase final, estágio de contemplação e união que envolve uma espécie de divinização na vida. 

O coração é o abismo no qual a alma individual pode atrair o espírito, mas é também o coração físico, estimulado por técnicas de concentração e ritmos respiratórios. É um compromisso físico e intelectual, de natureza ativa. 

Esychia é um pré-requisito da ascese, mas também um ponto de chegada. Entre os 2, há uma luta difícil para a qual as metáforas do guerreiro são freqüentemente usadas. O coração de pedra deve ser transformado em um coração de carne (cf. Ez 36.26-28). 

Essa "cirurgia cardíaca" renunciada por Deus revela a "cardiopatia" de Nós seres humanos, que embora tendo uma lei muito boa para nos orientar, simplesmente não conseguimos amar a Deus de todo coração; nosso coração é enganoso e corrompido e assim acabamos cada vez mais longe do Senhor. Precisamos de uma intervenção radical (KEPLER, 2019: 2019). 

Haja visto que o coração humano, não visto aqui somente como um órgão vital do corpo humano, mas é também a sede das emoções humanas, que se encontra corrompida devido a nossa natureza estar completamente rachada pelo pecado original de nossos primeiros pais. 

Portanto, como o próprio Apóstolo Paulo afirma que “todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus (cf. Romanos 3.23), sendo assim, todos nós devemos efetuar uma metanoia em nossas vidas, um caminho de conversão e retorno para Deus, e durante este itinerário todos nós deveremos passar por um processo de purificação a fim de que possamos tomar posse da Bem-aventurança descrita por Mt, 5.8: “Felizes os de coração puro, porque eles verão a Deus”.

Comentando sobre este aspecto, Simeão o Novo Teólogo irá ressaltar que 

Temos que compreender bem que a pureza de coração não é uma virtude, nem dez, que se poderiam conseguir, mas trata-se de todas as virtudes por sua vez, reunidas em uma só e levadas com perseverança até o final. Ainda assim, todas as virtudes são incapazes por si só de alcançar a pureza do coração sem a ação e a presença do Espírito Santo (RIBAS, 1995: p. 69). 

Entretanto de que modo podemos ser dóceis ao Espírito Santo para que possamos trilhar este caminho de purificação do coração? Segundo o Pe. Javier Ribas, este objetivo pode ser alcançado por meio da 

humildade, como trabalho e como dom ao mesmo tempo, é um exercício de transparência que revela a morada secreta do coração. Esta transparência desvela a profundidade do homem e a presença de Deus no coração da mesma. Assim, a sexta bem-aventurança se desenvolve em duas dimensões: por um lado, o coração purificado ve a Deus; por outro, vendo a Deus dentro de si, o homem descobre a profundidade de seu próprio coração. Deste modo, o homem alcança a plenitude de seu ser: é restabelecida sua semelhança com Deus, de modo que se revela nele a imagem plena e perfeita de Deus, no Deus que creou ao homem "a sua imagem e semelhança" (Gn 1.26). Poderia dizer se, pois, que o coração é esse lugar onde a verdadeira identidade humana é restabelecida. O coração é um lugar no sentido de que o centro do ser humano nele que se unificam todas as demais partes (RIBAS, 1995: p. 70). 

Sendo assim este itinerário a ser percorrido não deve ser pautado por sentimentalismo extravagante e excessivo. Teófanes, o Recluso, distingue os sentimentos naturais dos espirituais, observando que o primeiro fruto da oração deve ser o temor a Deus e a contrição. Há desconfiança em relação ao êxtase e às visões. 

Segundo Javier Ribas (1995: p. 72), este processo de unificação do coração do ser humano ocorre mediante uma tripa atividade, a saber:

  1. Pelo trabalho da temperança, graças a qual o homem domina seu corpo. Através da energia do coração, o corpo é purificado de suas paixões. Porque não é o corpo que devemos anular, mas o quê lhe tiraniza. Porque o corpo em si, diz Paulo, "é o templo do Espírito Santo que habita em nós" (1 Cor 6.19), e "nós somos a casa de Deus" (2 Cor 6.16).

  2.  Uma vez que o coração consegue apagar e guardar as lutas e desordens dos impulsos corporais, a alma pode dedicar-se a reflexão, que é sua atividade por Excelência, concentrar-se no pensamento de Deus e elevar-se até Ele.

  3.  Deste modo, o espírito pode consagrar se então inteiramente a oração que é sua atividade mais própria, e abrir-se assim a contemplação de Deus.

Entretanto surge aqui a necessidade de efetuar uma distinção entre o espírito (noûs e o coração (Kardía) que de certo modo é muito sutil e difícil de precisar:. 

Para tratar de esclarecer esta diferença, é necessário dizer que o coração é o lugar, o espaço, o centro, o órgão, à força interior unificadora e integradora de todo ser humano pelo contrário, o espírito seria uma parte mais delimitada do homem, concentrada na função do conhecimento espiritual. Podemos dizer que o espírito é "órgão" deste conhecimento, o “órgão” da visão de Deus. [...]  sendo assim, quando a luz divina quer manifestar-se a, é o espírito, e não coração, o que vê a Deus: "o espírito que tem sido considerado digno de contemplar essa tal luz, transmitir ao corpo que está vinculado a ele as marcas da Beleza Divina. Porque o espírito é a mediação entre a graça de Deus e a espessura da carne e leva em si a força dos débeis". [...] Ou seja, é o espírito o que vê a Luz, porém unicamente pode vê-la na medida em que permanece no coração, em um coração que alcançou sua plena pureza: "quando o coração conseguiu eliminar de si toda a classe de imaginação, o espírito está em seu estado natural, disposto a deixar-se levar por todo tipo de contemplação deliciosa, espiritual e amada por Deus". A atenção a purificação do coração é obra da vigilância (nepsis), e a atenção a que o espírito permaneça no interior do coração é obra da oração (cf. RIBAS, 1995: p. 73-76). 

Podemos assim ver de forma panorâmica todo o itinerário que aquele que se propõe e viver a prática do hesicasmo irá percorrer durante seu processo de purificação do coração.  

Esta espiritualidade não ficou somente restrita aos cristãos Ortodoxos do Oriente, contudo no Ocidente foi registrado um aumento especialmente após a declaração conjunta do patriarca de Constantinopla e o Papa Paulo VI, que sancionou a remissão das respectivas excomunhões do cisma de 1054. 

O hesicasmo no transcorrer da história da elaboração desta espiritualidade, também foi capaz tecer uma roupagem teológica, devido a necessidade de se defender também de vários opositores que eram contrários a esta prática de espiritualidade.  

Embora o hesicasmo e a recitação de orações curtas e repetitivas, tais como a oração de Jesus, sejam práticas antigas, já exemplificadas muitas vezes pelos primeiros Padres, o hesicasmo é associado de modo particular a figura de São Gregório Palamas (1296-1359), monge de Atos, e depois Bispo da cidade de Tessalônica (atual Thessaloniki, Grécia), e se esforçou para apresentar uma justificativa teológica para essa prática, combatendo os que difamavam, e assim garantiu o lugar central do hesicasmo na espiritualidade Ortodoxa até a época atual. As obras de Palamas como Tríades em Defesa dos Santos Hesicastas, apresentam o argumento de que o objetivo da oração contemplativa é o conhecimento de Deus e Deus realmente se comunica ao ser humano em oração. Seus opositores afirmavam que Deus, em essência é incognoscível. As teses de São Gregório Palamas foram, ratificadas por Concílios realizados em Constantinopla em 1347 e 1351 (POKROVSKY, 2010: p. 35-36).

Mesmo com o passar dos anos, ainda em nossos dias, o hesicasmo é frequentemente percebido de modo distorcido por muitos, que o acabam  considerando como um tipo de yoga cristã. O risco é parar na oração sozinho, tornando-se uma técnica que nos permite avançar apenas com meios humanos, portanto de uso mágico. 

Outra perspectiva no nível psicológico diz respeito à aspiração dos leitores de textos como a Filocalia (philokalia) a uma intensificação do caminho da perfeição interior também no Cristianismo.


Referências

KEPLER, Karl H., editor. Bíblia de Estudo Conselheira. Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 2019.

POKROVSKY, Gleb. O caminho do Peregrino: comentado e interpretado. 10 ed., São Paulo, Editora Pensamento, 2010.

RIBAS, Javier M. Los Caminos Del Corazón: El conocimiento espiritual en la "Filocalia". Bilbao, Sal Terrae, 1995.




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authorOlá, meu nome é Fabio José da Silva. Sou Blogueiro, Católico formado em filosofia e teologia. Meus assuntos de interesse neste blog são: Espiritualidade, Vida Monástica, Hesicasmo, Filosofia, Teologia e Catequese. PAX!!!
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