QUESTÕES TEOLÓGICAS # FÉ OU OBRAS?
julho 29, 2019FÉ OU OBRAS: EIS A QUESTÃO
Muito tempo antes de Lutero defender que é a fé que nos salva, a Igreja, especialmente por meio de Santo Agostinho, condenava as doutrinas de Pelágio (início do século V), quem, entre outras coisas, afirmava a suficiência do homem para salvar-se por suas próprias obras, sem a necessidade da ajuda de Deus.
O pelagianismo permaneceu condenado e esquecido; no entanto, permaneceu uma espécie de “pelagianismo oculto”, sempre a espreita do cristão que, convencido de que deve fazer o bem, acaba crendo que está em suas mãos (e em suas obras) o alcance da salvação, ou seja, a salvação para este depende do seu esforço: Para que, senão, esforçar-se em fazer o bem? E não poucos pregadores, em seu afã por incitar os fiéis a fazer o bem, tem caído mais ou menos nesse “pelagianismo oculto” do qual falamos mais acima.
O cristão sabe que um cumprimento estrito das leis não serve de grande coisa, não produz muito mais que um grau maior ou menor de autossatisfação. O religioso (que não é o cristão) pode se ver no cumprimento da lei um caminho que lhe dá uma certa segurança, uma, relativa paz (mesmo que Jesus não veio trazer essa classe de paz, mas a espada); sinceramente: O que lhe conduz a Deus?, nada; O que lhe conduz ao homem?, a autossatisfação (a “alegria do dever cumprido”, que dizem as vezes os que mandam, para obter uma maior submissão as leis que eles ditam).
Pode ser que o homem se sinta satisfeito, enquanto homem, com o cumprimento da lei, porém o cristão, o discípulo de Jesus (e esta se encontra a diferença) sabe que com a lei cumprida não tem adiantado nada; por isso está livre de toda lei: para entregar-se livremente ao amor.
O cristão, o que conta com sua experiência (E com a experiência de toda a comunidade) sabe bem que sua pequenez diante de Deus e de como Deus lhe ama, não por seus muitos esforços, nem por sua escrupulosa legalidade, mas porque é filho de Deus. E assim, a salvação não é vista já como um problema que consiste em resolver de onde nos chega (de Deus ou da lei), mas que se experimenta como um presente, como um dom generoso e gratuito, superabundante e imerecido. Quem o vive, que o experimenta, sabe o que vive e vê como todas as especulações a ficam frias e curtas, carentes do calor dessa corrente de carinho que se da entre o cristão e Deus, incapazes de expressar tudo o que seu coração está vivendo e sentindo.
Assim mesmo, as obras já não são motivos de polêmica, nem se vivem como argumento diante de Deus. As obras são a expressão concreta do agradecimento ao seu amor “pelo qual Ele nos amou primeiro”; logo, as “obras são amores e não boas razões” do provérbio popular, possivelmente pouco científico, contudo muito autêntico, sincero e vital. Para um cristão, as obras são como essa espécie de competição que é estabelecida entre apaixonados, onde se busca ver quem faz mais pelo outro, não para compendiar tantos argumentos, mas para agradar mais a quem mais queremos bem, para lhe expressar o carinho que temos com ela; e sempre sabem pouco, sempre ficam perturbadas, sempre gostariam de ter feito mais pela pessoa amada; e mesmo que os apaixonados vivam livres de leis que lhes indiquem como expressar esse amor, o cristão é livre para expressar sua fé e seu amor a Deus e aos homens.
U.I.O.G.D.
Ir. Tomás de Aquino, OSB
Abadia da Ressurreição, Junho, 2019
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